O erro estratégico de Trump
Donald Trump anunciou tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, uma medida que promete afetar três produtos absolutamente estratégicos para a segurança alimentar dos americanos: café, suco de laranja e carne para hambúrguer. Enquanto já abordamos a questão do café em análises anteriores e voltaremos a falar sobre ele em breve, e o suco de laranja será tema de um artigo específico, este texto foca na carne para hambúrguer – a carne bovina desossada congelada que o Brasil fornece em larga escala para os Estados Unidos.
A medida revela uma contradição fundamental que beira o patético em seus efeitos contraproducentes.
O hambúrguer na cultura americana
Essa preferência nacional não é apenas cultural – é também econômica. O hambúrguer representa uma fonte acessível de proteína para milhões de famílias americanas, especialmente em um momento em que os preços dos alimentos têm pressionado o orçamento doméstico.
Dependência externa
A matéria-prima fundamental para a produção de hambúrgueres é a carne bovina desossada congelada. Os Estados Unidos importam milhões de toneladas desse produto anualmente, representando uma parcela significativa do consumo doméstico.
Para colocar em perspectiva, outros fornecedores tradicionais como Argentina, Canadá e México têm participações bem menores no mercado americano. O Brasil consolidou-se como o principal fornecedor externo dessa matéria-prima essencial, superando concorrentes históricos e estabelecendo uma posição de liderança no segmento.
Declínio da produção americana
O resultado é uma transformação histórica: os Estados Unidos, que tradicionalmente eram exportadores líquidos de carne bovina, tornaram-se importadores líquidos. Essa mudança estrutural torna o país ainda mais dependente de fornecedores externos confiáveis como o Brasil.
Pressão nos preços e o índice Big Mac
A pressão inflacionária sobre os alimentos americanos pode ser medida através do preço do Big Mac. Entre 2005 e 2024, o sanduíche mais famoso do McDonald’s saltou de US$ 2,58 para US$ 5,69, um aumento de 120% em menos de duas décadas.
O resultado patético para os americanos
A ironia da situação torna-se evidente quando analisamos os efeitos práticos da tarifa. Para o Brasil, perder um mercado que absorve apenas 8,8% de suas exportações de carne bovina desossada congelada não representa um drama. Os produtores brasileiros podem facilmente redirecionar essa produção para outros mercados internacionais ou até mesmo para o mercado doméstico.
No Brasil, onde os preços da carne têm pressionado o orçamento das famílias, existe uma oportunidade clara: campanhas promocionais e políticas de incentivo ao consumo interno poderiam absorver facilmente a produção que deixaria de ir para os Estados Unidos. O país tem flexibilidade e alternativas, e os brasileiros poderão comer mais carne a preços mais baixos.
Do lado americano, o cenário é completamente diferente. Trump foi eleito com a promessa central de reduzir o custo de vida dos americanos, mas sua tarifa de 50% sobre a carne bovina brasileira produzirá exatamente o efeito oposto. O preço do hambúrguer – alimento básico na dieta americana – aumentará diretamente.
A ironia se aprofunda quando consideramos que as tarifas de Trump são altamente impopulares nos próprios Estados Unidos: pesquisas mostram que mais de 60% dos americanos são contra essa política. E não é difícil entender o porquê: a tarifa funciona como um imposto sobre os mais pobres, já que são os americanos de menor renda – cuja renda é mais comprometida pelo consumo de alimentos – que serão os principais taxados. Não são os brasileiros que pagarão os 50% adicionais, mas sim os consumidores americanos mais vulneráveis.
O resultado final é patético: uma medida que deveria proteger os americanos acaba por prejudicá-los diretamente no prato e no bolso, enquanto Trump perde popularidade e o Brasil encontra novos mercados. Os Estados Unidos ficarão com hambúrgueres mais caros e maior dependência de fornecedores alternativos, potencialmente menos competitivos, enquanto os brasileiros se beneficiam de mais carne disponível no mercado interno a preços menores.