Ao rejeitar a denúncia do Ministério Público Federal contra mim, por suposto crime de antissemitismo, o juiz Sílvio Gemaque põe por terra tradicional manobra do lobby israelense, baseada na falsa equiparação entre o combate ao sionismo e o racismo antijudaico.
Provocado pela Confederação Israelita do Brasil (CONIB), o procurador pretendia me julgar com base na Lei nº 7.716/89, norma de penalização do racismo em nosso país, sob a qual são enquadrados eventuais atos antissemitas. Postagens em redes sociais foram apresentadas como supostas provas. Oferecida em pleno genocídio palestino, a acusação virou motivo de repugnância.
Um manifesto liderado pelo jornalista Juca Kfouri e o escritor Afonso Borges alcançou mais de 20 mil assinaturas, assumindo corresponsabilidade pelos textos criminalizados. Serei eternamente grato pela solidariedade e, mais que tudo, pelo engrandecimento da causa palestina.
Complementou: “as expressões que se referem a ‘dirigentes sionistas’ como ‘párias’ ou ‘inimigos dos povos’ revelam crítica severa dirigida a uma ideologia política, e não a um grupo religioso ou étnico; (…) não se confundem com o discurso de ódio contra o povo judeu”.
A decisão do juiz Gemaque reforça um fato histórico: o sionismo é tão somente uma corrente ideológica do judaísmo, baseada na construção de um Estado de supremacia étnica e na colonização da Palestina como seu território. Antissionismo nada tem a ver com antissemitismo.
Ser antissionista não é ser antissemita, da mesma forma que ser antinazista não era ficar contra os alemães, e enfrentar os fascistas não constituía ódio aos italianos. Mesmo que o sionismo tenha atualmente a adesão da maioria dos judeus, representa apenas uma determinada concepção doutrinária e sua encarnação estatal.
De fato, o magistrado manteve uma das denúncias: a de que eu poderia ter feito “apologia ao crime” por enaltecer a resistência palestina. Também essa alegação terá vida curta. A Organização das Nações Unidas (ONU) e o Brasil não consideram o Hamas um grupo terrorista. Na Corte Internacional de Justiça, quem responde pelo mais grave dos crimes — o de genocídio — é o Estado de Israel, não a organização islâmica.
Esse impasse é secundário, de toda maneira. Acende-se a luz quando um juiz tem a estatura de se colocar ao lado da humanidade, em hora tão decisiva. Sua resolução é ode à esperança. Não por me beneficiar, evidentemente, mas porque a causa palestina é a grande régua moral de nossos tempos.
(*) Texto publicado originalmente em Folha de S.Paulo.

