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A Rússia e a China reagiram nesta quinta-feira (30) ao anúncio do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de que determinou a retomada imediata dos testes nucleares norte-americanos.
O gesto, que encerra uma moratória de 33 anos, provocou forte reprovação em Moscou e Pequim, que advertiram para o risco de uma nova corrida armamentista global e de erosão do regime internacional de não proliferação.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou que a Rússia responderá se os Estados Unidos abandonarem o acordo tácito que proíbe testes explosivos desde o fim da Guerra Fria.
“O presidente [Vladimir] Putin já disse, muitas vezes, que, se alguém abandonar a moratória, a Rússia agirá de forma correspondente”, declarou. Apesar de reconhecer o direito soberano de Washington de tomar suas decisões, Peskov afirmou que a medida “inaugura uma nova era de imprevisibilidade e confronto aberto”.
Em Pequim, o ministério das Relações Exteriores pediu que os Estados Unidos cumpram seus compromissos internacionais e preservem o equilíbrio estratégico global.
“Esperamos que os EUA honrem o Tratado de Não Proliferação Nuclear e adotem ações que contribuam para a paz regional, e não o contrário”, disse o porta-voz Guo Jiakun. Segundo ele, “a China permanece comprometida com o caminho do desenvolvimento pacífico, com políticas defensivas e diplomacia amistosa”.
As declarações de Moscou foram uma resposta direta ao argumento usado por Trump para justificar o retorno dos testes. O republicano afirmou que “outros países” estariam conduzindo programas nucleares e que os Estados Unidos deveriam agir “em condições de igualdade”.
O Kremlin rejeitou a alegação e afirmou “não ter conhecimento de nenhum teste nuclear recente”.
Peskov acrescentou que, se a referência era ao míssil Burevestnik, “não se trata de um teste nuclear”. Segundo o governo russo, o Burevestnik e o Poseidon — torpedo autônomo movido a energia nuclear — fazem parte de programas de modernização tecnológica e não envolveram explosões atômicas.
“Todas as nações desenvolvem seus sistemas de defesa, mas isso não é um teste nuclear”, afirmou.
Putin anunciou nesta semana o teste bem-sucedido do Poseidon, um torpedo de longo alcance e propulsão nuclear, que analistas descrevem como capaz de gerar ondas radioativas e devastar regiões costeiras. O Kremlin apresentou o resultado como prova de que a Rússia continua sendo uma potência militar estratégica, mesmo diante das sanções e do isolamento impostos pelo Ocidente.
A chancelaria chinesa também reagiu com cautela, mas expressou preocupação com as implicações do gesto norte-americano. Fontes diplomáticas ouvidas por meios estatais afirmaram que o anúncio de Trump “envia um sinal perigoso ao mundo” e pode comprometer décadas de esforços multilaterais pela limitação das armas nucleares.
A China, que realizou seu último teste em 1996, mantém uma moratória desde a assinatura do Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares (CTBT) — acordo que os EUA nunca ratificaram.
O governo de Xi Jinping vem ampliando de forma acelerada suas capacidades de dissuasão, com cerca de 600 ogivas nucleares atualmente e projeção de mil até 2030, segundo o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS).
Imagens de satélite mostram novas obras subterrâneas no local de testes de Lop Nur, na região de Xinjiang, o que, segundo pesquisadores, pode indicar preparativos para ensaios não explosivos.
Para o analista Lin Po-chou, do Instituto de Pesquisa de Defesa Nacional e Segurança, em Taipei, “o ritmo da expansão nuclear da China continuará e não mudará apenas por causa do anúncio de Trump”.
EUA rompem consenso e desafiam regime de não proliferação
O anúncio de Trump encerra a moratória unilateral decretada pelo presidente George H. W. Bush em 1992. A mensagem, publicada na rede Truth Social, dizia: “Por causa dos programas de testes de outros países, instruí o Departamento de Guerra a começar a testar nossas armas nucleares em condições de igualdade. Esse processo começará imediatamente.”
A iniciativa ocorreu minutos antes de Trump se reunir com Xi Jinping, em Busan, durante a cúpula da Apec.
Diplomatas classificaram o gesto como um ato de provocação em meio às negociações comerciais e uma ruptura simbólica com o consenso internacional construído após o fim da União Soviética.
O Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (SIPRI) calcula que os EUA possuam 5.177 ogivas nucleares, contra 5.459 da Rússia e 600 da China, que deve atingir 1.500 até 2035.
Desde a década de 1990, apenas a Coreia do Norte realizou testes explosivos — o último, em 2017.
Analistas em controle de armas alertam que o gesto norte-americano enfraquece o regime global de não proliferação e estimula uma reedição da lógica da Guerra Fria. “Se os EUA realmente retomarem os testes nucleares, isso dará carta branca para China e Rússia fazerem o mesmo”, disse Ankit Panda, da Carnegie Endowment for International Peace.
Para Daryl Kimball, da Associação de Controle de Armas, “Trump está mal informado e fora da realidade. O anúncio pode desencadear uma reação em cadeia e destruir o Tratado de Não Proliferação Nuclear”.
Em relatório recente, o Pentágono reconheceu que a China moderniza seu arsenal a “velocidade impressionante”, enquanto a Rússia já concluiu a atualização de praticamente todas as suas forças nucleares.
A decisão de Trump, segundo diplomatas, deve agravar o impasse entre as três potências e dificultar qualquer tentativa de retomada do diálogo sobre limitação de armamentos.
Multipolaridade em disputa
Para analistas ouvidos pela imprensa europeia, o gesto norte-americano simboliza o colapso do último pilar de contenção da corrida nuclear e a reafirmação do unilateralismo dos Estados Unidos.
O Kremlin vê a medida como um ato de provocação destinado a intimidar adversários, enquanto a China procura se apresentar como voz de equilíbrio e defesa do multilateralismo.
Em meio à guerra na Ucrânia, ao impasse comercial com a China e à fragmentação dos fóruns multilaterais, o anúncio de Trump amplia a desconfiança e a insegurança global.
Três décadas após o fim da Guerra Fria, as potências nucleares voltam a falar a linguagem da dissuasão, e o mundo assiste ao renascimento de uma lógica que parecia superada — a da ameaça atômica como instrumento político.

