Erro
  • Erro ao carregar arquivo XML
  • http://www.blogdobepe.com.br/templates/sj_tech/templateDetails.xml
  • XML: failed to load "http://www.blogdobepe.com.br/templates/sj_tech/templateDetails.xml": No such file or directory

Poder negro no pódio: 57 anos do protesto de Tommie Smith e John Carlos

Out 18, 2025

Por Estevam Silva, no Ópera Mundi                                                                           

                                                                                     

Há 57 anos, em 16 de outubro de 1968, os velocistas afro-americanos Tommie Smith e John Carlos realizavam um protesto que se tornaria um marco da história dos esportes e da luta antirracista.

Após subirem ao pódio na cerimônia de premiação dos 200 metros rasos nos Jogos Olímpicos da Cidade do México, os atletas ergueram os punhos cerrados com luvas pretas, evocando a saudação Black Power, tradicionalmente associada aos Panteras Negras.

Smith e Carlos estavam descalços, simbolizando a exclusão social imposta aos afro-americanos, e trajavam lenços e colares de contas, evocando os linchamentos raciais. O atleta australiano Peter Norman apoiou o protesto usando um distintivo do Projeto Olímpico para os Direitos Humanos.

O gesto de Smith e Carlos foi recebido com vaias e punido pelo Comitê Olímpico Internacional. Os dois atletas foram expulsos da Vila Olímpica e banidos de competições esportivas, sendo relegados ao ostracismo por décadas.

A década de 1960 ficou marcada nos Estados Unidos como um período de intensa agitação social e importantes transformações políticas. O movimento em prol dos direitos civis da população afro-americana estava em seu auge, com líderes como Malcolm X, Rosa Parks, John Lewis e Martin Luther King mobilizando multidões, comandando marchas e ações de desobediência civil.

Promulgadas entre 1964 e 1965, a Lei dos Direitos Civis e a Lei do Direito ao Voto constituíram vitórias fulcrais do movimento negro, pavimentando o caminho para a desarticulação do regime segregacionista e para a revogação das Leis de Jim Crow. Outros marcos legais do período possibilitaram a integração racial nas escolas e derrubaram as restrições aos casamentos inter-raciais.

O avanço dos direitos civis foi confrontado pela reação violenta dos setores conservadores, resultando no aumento da violência racial e da perseguição institucional. Os assassinatos de Malcolm X e de Martin Luther King, as infames ofensivas racistas do FBI e a intensificação da brutalidade policial tornaram-se novos obstáculos para a comunidade afro-americana.

Respondendo aos novos desafios, o movimento negro buscou uma abordagem mais incisiva. A frustração com o pacifismo das correntes majoritárias dos direitos civis abriu espaço para organizações mais combativas. Surgiu assim o Partido dos Panteras Negras, agremiação socialista que pregava o direito à autodefesa do povo negro e defendia a legitimidade da violência revolucionária.

Acima de tudo, o movimento Black Power reivindicava a autonomia política e econômica das comunidades afro-americanas. Farta de promessas não cumpridas e de concessões infrutíferas, a resistência negra adotava uma postura cada vez mais altiva, exigindo seu espaço e o direito de participar de todas as esferas da sociedade.

O Projeto Olímpico para os Direitos Humanos

A mobilização do movimento negro também ecoou fortemente nos esportes, desafiando velhos paradigmas. Por muito tempo, os meios de comunicação dos Estados Unidos utilizaram o sucesso individual de atletas negros como uma evidência de que o país possibilitava o progresso racial e que as críticas ao racismo institucional eram exageradas.

Em 1967, o sociólogo Harry Edwards criou o Projeto Olímpico para os Direitos Humanos (OPHR no acrônimo em inglês). A organização tinha como propósito lutar contra a segregação racial e denunciar o racismo vivenciado por atletas negros nas universidades e instituições dos Estados Unidos.

Logo após sua fundação, o OPHR liderou uma campanha pedindo aos atletas negros norte-americanos que boicotassem os Jogos Olímpicos de 1968, que seriam sediados na Cidade do México. A iniciativa serviria para denunciar a opressão racista nos Estados Unidos, pressionar os regimes segregacionistas africanos e exigir mudanças nos órgãos desportivos internacionais.

Os membros do OPHR apresentaram uma lista de exigências para suspender a campanha pelo boicote. Entre os itens reivindicados estavam a proibição da participação da África do Sul e da Rodésia nos Jogos Olímpicos (países que eram governados por regimes segregacionistas da minoria branca), a saída de Avery Brundage do Comitê Olímpico Internacional (em função de suas posturas racistas e antissemitas) e a restauração do título de campeão de boxe de Muhammad Ali (punido em 1967 por se recusar a servir na Guerra do Vietnã).

A entidade também pedia a contratação de mais treinadores negros para as equipes dos Estados Unidos, a inclusão de membros negros no Comitê Olímpico norte-americano e o boicote aos eventos do New York Athletic Club (NYAC), agremiação conhecida por manter políticas segregacionistas.

Os ataques enérgicos da imprensa e do governo norte-americano à organização do boicote e o anúncio de que a África do Sul e a Rodésia não participariam mais dos jogos acabaram por enfraquecer a campanha do OPHR. Às vésperas das Olimpíadas, a agremiação realizou uma votação entre os atletas filiados para decidir se o boicote seria levado adiante. A maioria dos membros votou pelo “não” e a campanha foi encerrada.

O boicote da OPHR foi apenas uma de várias controvérsias que envolveram os Jogos Olímpicos do México. O ano de 1968 foi marcado pela agitação social no mundo inteiro, com protestos e greves mobilizando multidões em vários países.

Nos Estados Unidos, o assassinato de Martin Luther King desencadeou motins em centenas de cidades. E no próprio México, um protesto estudantil contra a realização dos jogos foi brutalmente reprimido pelas forças armadas, resultando no Massacre de Tlatelolco — uma chacina que deixou mais de 300 mortos.

O protesto

Embora o boicote estivesse descartado, dois membros do OPHR seriam responsáveis por protagonizar um protesto que entrou para a história como um poderoso símbolo de resistência ao racismo: os velocistas Tommie Smith e John Carlos.

Natural de Clarksville, Texas, Tommie Smith já era reconhecido como um dos maiores atletas de sua geração. Agraciado com uma bolsa de estudos da Universidade Estadual de San Jose, ele estabeleceu uma série de recordes nacionais e mundiais em eventos de velocidade e salto em distância. Em 1966, ele ganhou as manchetes no mundo inteiro ao se tornar o primeiro homem a finalizar uma prova de 200 metros rasos em menos de 20 segundos.

John Carlos, por sua vez, era oriundo do Harlem, Nova York, e tinha ascendência cubana e jamaicana. Assim como Smith, ele também era bolsista da Universidade de San Jose. Carlos também surpreendeu o público durante as seletivas para as Olimpíadas, quando quebrou o recorde mundial que havia sido estabelecido por Smith.

Os dois velocistas afro-americanos brilharam na final dos 200 metros rasos dos Jogos Olímpicos, disputada em 16 de outubro de 1968. A prova foi eletrizante. Carlos largou forte, mas Smith conseguiu ultrapassá-lo na reta final, garantindo o ouro e estabelecendo um novo recorde mundial. John Carlos ficou com o bronze, enquanto o australiano Peter Norman levou a prata.

A surpresa maior, no entanto, se deu durante a cerimônia de premiação, quando Smith e Carlos decidiram executar o protesto. Eles subiram ao pódio descalços, usando apenas meias pretas, simbolizando a pobreza e exclusão social impostas aos negros norte-americanos. Smith usava um lenço preto em volta do pescoço, representando o orgulho negro. Carlos usava um colar de contas, evocando ao mesmo tempo religiões africanas e as vítimas dos linchamentos raciais.

Os afro-americanos também compartilhavam um par de luvas pretas. Tiveram de dividir o par, pois Carlos esquecera as suas luvas na Vila Olímpica. Durante a execução do hino norte-americano, Smith e Carlos ergueram os punhos cerrados, evocando a saudação Black Power, tradicionalmente associada aos Panteras Negras. Os dois permaneceram em silêncio, com os braços erguidos e olhando para baixo enquanto a bandeira norte-americana era hasteada.

Peter Norman, o atleta australiano, se solidarizou com o protesto. Assim como os velocistas norte-americanos, ele também ostentava em seu uniforme o distintivo do Projeto Olímpico para os Direitos Humanos. Foi Norman quem deu aos atletas a sugestão de compartilhar as luvas. Ele era um conhecido crítico da “política da Austrália Branca”, um projeto eugenista que visava dificultar a entrada de pessoas não brancas nos territórios australianos.

Surpreso pelo gesto, o público presente no Estádio Olímpico da Cidade do México inicialmente ficou em silêncio. Quando a execução do hino terminou e os atletas desceram do pódio, estrondosas vaias ecoaram no estádio. Alvos de ofensas e xingamentos, os velocistas foram repreendidos e orientados a deixar o recinto.

Repercussões e consequências

O protesto causou reações exaltadas. Avery Brundage, presidente do COI, conhecido por ter defendido as saudações nazistas durante os Jogos Olímpicos da Alemanha em 1936, condenou o gesto dos velocistas afro-americanos como uma “violação deliberada e violenta do espírito olímpico” e exigiu que os Estados Unidos punissem os atletas.

Smith e Carlos foram expulsos dos Jogos Olímpicos e receberam a ordem para deixar o México em até 48 horas. A imprensa norte-americana criticou agressivamente os atletas, descrevendo-os como “ignóbeis” e “traidores” e acusando-os de “enlamear o nome dos Estados Unidos”.

Os dois velocistas foram banidos de competições olímpicas futuras e condenados ao ostracismo, sendo efetivamente forçados a encerrar suas carreiras como atletas de elite. A vilanização na imprensa inflamou os ânimos da sociedade norte-americana, resultando em ameaças de morte, perseguição e assédio às famílias dos norte-americanos.

As punições ecoaram por décadas. Tommie Smith tentou retomar uma carreira no futebol americano. Ele foi demitido de vários empregos pelo seu “passado controverso” e se tornou professor de educação física. Em 2007, publicou sua autobiografia, intitulada “Silent Gesture”.

John Carlos enfrentou desafios semelhantes. Ele também tentou se estabelecer no futebol americano e atuou por um tempo na Liga Canadense. Teve de executar trabalhos braçais até se tornar treinador de atletismo em uma escola de ensino secundário da Califórnia. E assim como Smith, ele se tornou alvo da vigilância do governo norte-americano.

O australiano Peter Norman também foi punido. Mesmo se qualificando para os Jogos Olímpicos de 1972, ele foi excluído da seleção australiana. Norman enfrentou boicote das instituições esportivas, sendo forçado a abandonar os esportes e a trabalhar como açougueiro. Ele não foi convidado a participar das cerimônias oficiais dos Jogos Olímpicos de Sidney no ano 2000.

A reabilitação dos atletas envolvidos no protesto de 1968 começou somente nas últimas duas décadas. Em 2005, Smith e Carlos foram homenageados com um monumento inaugurado na Universidade Estadual de San Jose. Três anos depois, eles tiveram suas histórias retratadas em documentários produzidos por Matt Norman e Geoff Small.

Em 2019, o Comitê Olímpico dos Estados Unidos inseriu os nomes de Smith e Carlos no Hall da Fama Olímpico e emitiu um pedido de desculpas formal pelo tratamento conferido aos atletas. Peter Norman recebeu um pedido póstumo de desculpas do governo australiano em 2012.

 

 

Mídia

Deixe um comentário

Certifique-se de preencher os campos indicados com (*). Não é permitido código HTML.


Anti-spam: complete the task

Vídeos