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Sindicalista argentino diz que greve revela reação popular ao projeto de Milei

Abr 21, 2025

Por Lucas Toth, no Vermelho                                                                       

Hugo Godoy, secretário-geral da CTA Autónoma, discursa durante ato em Buenos Aires contra o ajuste fiscal do governo Milei. Para ele, a mobilização sindical é fundamental diante do avanço do projeto neocolonial. Foto: Reprodução

Em 36 horas de mobilização, a Argentina parou. Portos, bancos, repartições públicas, trens e aviões silenciaram enquanto milhares de pessoas tomavam as ruas contra a política econômica do governo Javier Milei. Em meio à crise social e à deterioração dos direitos trabalhistas, a greve geral também simbolizou o rechaço a um governo que, na avaliação de dirigentes sindicais, representa um projeto neocolonial e neofascista em curso no país.

A paralisação, convocada pelas três maiores centrais sindicais do país — a CGT, a CTA de los Trabajadores e a CTA Autónoma — foi descrita como um “sucesso retumbante” pelos organizadores. Mais do que um evento isolado, o protesto foi o capítulo mais recente de uma escalada de resistências que vêm se desenhando nas ruas desde o fim de 2023.

É o que sustenta Hugo “Cachorro” Godoy, secretário-geral da CTA Autónoma, que conversou com o Portal Vermelho sobre o alcance da greve e o momento histórico vivido pelo movimento sindical argentino.

Para ele, a paralisação expressa não apenas a força das categorias organizadas, mas também o início de uma reorganização profunda — social, política e cultural — frente ao avanço de um projeto autoritário e neoliberal que ameaça corroer a democracia desde dentro.

“Foi a terceira greve nacional em apenas 15 meses de governo Milei, convocado pelas três centrais. Mas também é continuidade de mobilizações que se intensificam desde o fim do ano passado”, afirmou.

Entre os atos anteriores, Godoy mencionou a marcha de dezembro contra o pacote de ajuste, a mobilização feminista de 8 de março e o protesto em apoio aos aposentados em 12 de março, reprimido com violência pelo governo.

“Naquele dia, até torcedores de clubes se somaram aos protestos. A repressão feriu um fotojornalista com uma granada de gás. Mesmo assim, milhares seguiram mobilizados até às 2 da manhã”, relatou.

Para o dirigente, a greve geral de abril é parte de um estado de mobilização permanente que expressa o rechaço popular a um governo que, segundo ele, “já demonstrou sua incapacidade”.

A destruição do trabalho e a nova Argentina informal

Godoy denunciou a precarização acelerada do mundo do trabalho na Argentina sob Milei, com base em dados oficiais: cerca de 400 mil empregos formais perdidos em um ano e meio, 230 mil postos precários criados e 20 mil pequenas empresas fechadas.

“A única coisa que cresce é o cuentapropismo. A informalidade já abrange entre 55% e 60% da população economicamente ativa”, afirmou.

Cuentapropismo é o termo usado na Argentina para descrever o trabalho por conta própria, geralmente sem vínculos empregatícios formais, direitos garantidos ou cobertura previdenciária. Embora represente uma alternativa de sobrevivência diante da crise, esse tipo de ocupação reforça a vulnerabilidade dos trabalhadores e dificulta sua organização coletiva.

Esse quadro, segundo ele, limita a capacidade de adesão plena aos protestos e greves, mas também reforça a necessidade de novas formas de organização sindical.

“O trabalhador que vende comida na rua, que é diarista ou autônomo, não pode se dar ao luxo de parar. Mas isso não pode ser argumento para invisibilizar sua condição de classe”, explica.

Godoy explicou que a CTA-A vem criando mecanismos para integrar esses setores. “Afiliação direta, organização no território, reconhecimento da identidade de classe mesmo fora do emprego formal. Tudo isso é estratégico para reconstruir o tecido social esgarçado pelo capitalismo de descarte”.

Entregador da Rappi circula por Buenos Aires; símbolo do cuentapropismo, termo usado na Argentina para descrever o trabalho por conta própria e sem direitos garantidos. Foto: Ignacio Petunchi

A identidade de classe como trincheira contra o neofascismo

Mais do que uma crise econômica, o avanço das políticas neoliberais sob Milei representa, segundo Godoy, uma ofensiva cultural contra a própria noção de coletividade. A destruição do trabalho formal e o enfraquecimento dos sindicatos não afetam apenas os rendimentos ou as condições de vida — eles corroem a capacidade de organização e resistência da classe trabalhadora.

“Precarizar não é só destruir direitos. É também desarmar a consciência de classe, dissolver laços coletivos, naturalizar o individualismo. Isso abre espaço para o neofascismo”, alertou Godoy.

Ele traçou um paralelo entre as experiências históricas da desorganização sindical e o surgimento de lideranças autoritárias. “Quando se quebra a identificação com um coletivo social, avança o ‘salve-se quem puder’. Foi assim com Bolsonaro no Brasil, com Bukele em El Salvador e agora com Milei”, diz.

Para o dirigente, a resistência não pode se limitar à defesa dos antigos modelos sindicais. “Temos que disputar culturalmente, reconstruir sentido coletivo, devolver à classe trabalhadora um lugar protagônico no debate social”, propõe Godoy.

FMI, Trump e o projeto neocolonial
Godoy também criticou duramente o novo acordo firmado por Javier Milei com o Fundo Monetário Internacional. Para ele, a negociação não apenas impõe metas fiscais draconianas, mas representa uma renúncia à soberania econômica e um freio ao desenvolvimento autônomo da Argentina.

“O FMI não impõe apenas metas fiscais. Ele trava o desenvolvimento autônomo, aprofunda a dependência e impede a integração regional”, protestou. Segundo o dirigente, o endividamento externo assumiu, sob o governo Milei, uma função que vai além da economia: torna-se parte de uma estratégia geopolítica coordenada com Washington.

“O aval do governo Trump a Milei é parte disso. A dívida funciona como freio à soberania, como instrumento para impedir articulação entre os povos da América Latina”, afirmou.

Ele alertou ainda que esse endividamento compromete o futuro do país: “Estamos aceitando um mecanismo antigo, que impõe condicionamentos à política econômica. É um modelo que já não é conduzido pelo governo, mas diretamente pelo Fundo, e que serve para endividar gerações inteiras”.

Godoy denunciou o caráter especulativo do atual modelo econômico, guiado por interesses financeiros e não pela produção ou justiça social. “O que cresce na Argentina não é o desenvolvimento produtivo, mas a especulação. A política econômica está sendo conduzida pelo FMI, e seu foco é atender ao capital financeiro”, avaliou.

O resultado, segundo ele, já está evidente no empobrecimento das famílias. “O consumo está em queda há 15 meses. O último mês de alta foi dezembro de 2023. Desde então, é só empobrecimento”, disse. Para o dirigente, o acordo com o FMI está acelerando a deterioração social e econômica da Argentina — e abrindo espaço para uma crise ainda mais profunda.

“Este é um governo neocolonial e neofascista. Por isso precisa ser derrotado antes que destrua por completo a democracia”, afirmou.

Conflito com a UTA expõe dificuldades na mobilização

Apesar da força do movimento, Godoy reconheceu as dificuldades impostas pela fragmentação do mundo do trabalho e pela ausência de setores estratégicos. A principal tensão foi com a direção da UTA (União dos Trabalhadores do Transporte Automotor), sindicato que representa motoristas de ônibus urbanos, e a UCRA (União dos Condutores da República Argentina), ambos responsáveis pelo transporte coletivo, que não aderiram formalmente à paralisação nacional.

“É verdade que a UTA e a UCRA não convocaram oficialmente a greve. Mas muitos corpos de delegados participaram. As linhas funcionaram com esquemas de emergência, menos ônibus e mais tempo de espera. Isso mostra que, mesmo sem adesão plena, a greve teve impacto no transporte”, afirmou.

Godoy ponderou que esse tipo de dissidência não apagou o êxito da paralisação. Ao contrário: para ele, o engajamento da base mesmo sem o endosso das direções revela a capilaridade da mobilização. “O trânsito estava vazio. Um trajeto que levaria uma hora e meia foi feito em 40 minutos. Isso não acontece num dia normal”, disse.

Uma frente ampla desde baixo

Por fim, Hugo Godoy defendeu que a resistência à extrema direita deve ir além dos sindicatos. “Precisamos de novas formas de articulação que convoquem não apenas os trabalhadores, mas também pequenos e médios empresários, movimentos feministas, organizações de direitos humanos, juventude e cultura”, disse.

A estratégia, segundo ele, é derrotar Milei antes que a democracia seja totalmente restringida. “Esse governo não pode continuar legislando por decreto. É hora de abrir um novo tempo de esperança para o povo argentino”.

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